Principais ameaças
Infelizmente, a maioria das ameaças às aves marinhas em Cabo Verde devem-se direta ou indiretamente às atividades humanas, nomeadamente a predação por animais introduzidos (cães, gatos, ratazanas e ratos), a captura humana e os impactos causados pela poluição luminosa, pela interação com as artes de pesca e pela perda de habitat.
Predação por mamíferos invasores
Atualmente, a maior ameaça às aves marinhas em Cabo Verde é a predação por parte de cães, gatos, ratazanas e ratos introduzidos pelo Homem. Estes predadores capturam adultos, crias e ovos causando grandes impactos no sucesso reprodutor das aves marinhas e na sobrevivência das suas populações. As aves marinhas não estão adaptadas a predadores terrestres, dado que durante milhões de anos viveram em locais remotos sem estes predadores. Consequentemente, algumas populações de aves marinhas já desapareceram de alguns locais onde existem estes predadores, e muitas outras estão a sofrer um severo declínio colocando-as em risco de extinção local. Por exemplo, a introdução de gatos e ratos em Santa Luzia acabou com quase todas as populações de aves marinhas nesta ilha. No entanto, as visitas ilegais de pescadores e turistas nos poucos ilhéus onde estes predadores ainda não foram introduzidos, representam a maior ameaça permanente para a conservação das aves marinhas em Cabo Verde.
Gato a visitar ninho de Rabo-de-Junco
Rabo-de-Junco predados por cães no Sal © Vanessa Tavares
Cria de Gongon predada por ratazanas © Adilson Fortes
Captura humana
A captura humana de adultos e crias de aves marinhas para consumo próprio, para fins medicinais ou para ter como animais de estimação ocorre em várias ilhas e ilhéus de Cabo Verde, sendo as aves de maior porte as principais vítimas (Alcatraz, Rabo-de-Junco, Cagarra e Gongon). A capturas e posterior venda de crias de cagarra no ilhéu Raso era uma prática habitual até o ano 2011, ano em que foi erradicada. Infelizmente a captura de Alcatraz, Rabo-de-Junco e Cagarra na Brava, a captura de Gongon em Santo Antão e a captura de Rabo-de-Junco na Boa Vista e no Sal, continuam a ser habituais.
Vestígios de captura humana de Alcatraz no ilhéu de Curral Velho (Boa Vista) © Jacob González-Solís
Vestígios de captura humana de Rabo-de-junco na ilha da Boa Vista © Andreia Leal
Captura de crias de cagarra no ilhéu Raso para consumo humano © Biosfera
Polução luminosa
Algumas espécies de aves marinhas entram e saem durante a noite dos seus locais de reprodução para evitar a predação. Infelizmente, algumas destas aves podem encandear-se com luzes artificiais das populações humanas, caem e podem morrer devido ao impacto ou, caso não morram, ficam mais expostas à predação por gatos, à captura humana ou mesmo sujeitas a atropelamentos. O desenvolvimento de Cabo Verde é cada vez mais rápido e importante, mas está a aumentar os problemas de poluição luminosa em todas as ilhas principais de Cabo Verde e está a afetar as espécies de aves marinhas que nidificam nestas ilhas, principalmente o Gongon, a Cagarra, o Pedreiro e o Pedreirinho.
Localização de onde foram encontradas aves marinhas desorientadas devido a luzes artificiais em Santo Antão e São Vicente.
Representação de candeeiros de iluminação pública onde a luz artificial é projetada em todos os sentidos (esquerda), sendo este tipo de candeeiro o mais prejudicial para as aves marinhas, dado que projeta a luz para o céu. À direita está representado o tipo candeeiro mais adequado para áreas perto de zonas de nidificação ou passagem de aves marinhas, dado que só ilumina o chão e não projeta a luz para o céu.
Interação com pescas
Pescadores e aves marinhas estão frequentemente à procura de peixe nos mesmos lugares e portanto a interação das aves marinhas com as artes de pesca é habitual e quase inevitável. É bem conhecido que algumas artes de pesca com anzóis, como um palangre, ou a pesca com redes, podem causar mortalidades significativas de aves marinhas, e nalguns lugares são a causa principal do declínio das aves marinhas, como por exemplo, os albatrozes. O impacto das distintas artes de pesca sobre as populações de aves marinhas de Cabo Verde, tanto à volta de Cabo Verde, como na plataforma africana, ou nos locais onde estas aves passam o inverno, é ainda muito desconhecido, mas poderá ser importante. Alguns pescadores de Cabo Verde ainda capturam aves marinhas para o seu próprio consumo ou capturam-nas acidentalmente, morrendo estas afogadas devido a ficarem presas nos anzóis. As artes de pesca também competem de forma indireta pelos mesmos peixes de que se alimentam muitas aves marinhas, e a sobre-exploração humana desta fonte de alimento também interfere com a estabilidade das população de aves marinhas. Finalmente, a sobre-exploração de grandes peixes, como o atum, também afeta negativamente as aves marinhas, dado que algumas espécies como o Rabo-de-Junco dependem dos grandes atuns que empurram os pequenos peixes para a superfície, tornando-os mais acessíveis para serem predados pelos Rabo-de-Junco.
Sobre-exploração de peixes por parte dos humanos pode reduzir a sua disponibilidade para as aves marinhas que se alimentam destes peixes © Jacob González-Solís
Imaturo de Alcatraz no ilhéu de Curral Velho enrolado num fio de pesca ainda com anzol © Laura Zango
Perda de habitat
A perda de habitat é uma causa silenciosa do declive das aves marinhas em Cabo Verde. O desenvolvimento de populações ou de infraestruturas turísticas na costa, e também nalguns lugares do interior, estão a ocupar lugares antigamente utilizados pelas aves marinhas. Espécies como o Gongon precisam de áreas sem luz artificial para a sua reprodução, mas cada vez há menos lugares sem poluição luminosa. O desenvolvimento das populações também está acompanhado da proliferação de cães, gatos, ratazanas e ratos, que para além de predar as aves marinhas, podem destruir os seus ninhos (ver video abaixo), levando as aves marinhas a se reproduzir em lugares cada vez mais limitados e inacessíveis.
Vestigios de destruição de ninhos de Pedreiro-Azul nos ilhéus Rombo © Nadito Barbosa
Ninho de Gongon a ser destruido por um cão
Alterações climáticas
Geralmente as aves marinhas nidificam durante o período em que as suas presas são mais abundantes. No entanto, o atual aumento da temperatura dos oceanos está a alterar os ritmos biológicos das suas presas (pequenos peixes, crustáceos e cefalópodes). Infelizmente, as aves marinhas não estão a conseguir adaptar os seus ritmos biológicos às alterações da temperatura dos oceanos o que está a provocar um desfasamento entre os períodos em que as aves marinhas nidificam e os períodos de maior abundância de suas presas nos oceanos. Este desfasamento está a diminuir o sucesso reprodutor das aves marinhas, dificultando a sobrevivência a longo prazo destas espécies (Keogan et al. 2018). Para além disso, algumas espécies de aves marinhas nidificam em ilhéus com altitudes muito reduzidas e que poderão ficar submersos no futuro devido à subida do nível do mar causada pelo aquecimento global.
Desequilíbrio dos ecossistemas
As alterações climáticas, a sobrepesca, a poluição e a introdução de espécies invasoras podem provocar alteração nas cadeias tróficas marinhas e consequentemente na estrutura e equilíbrio dos ecossistemas. As aves marinhas dependem do ecossistema marinho para sobreviver e qualquer fator que afete este equilíbrio terá consequências na sua sobrevivência.