Gongon
© Jacob González-Solís
Nome comum: Gongon, Biôr
Nome científico: Pterodroma feae
Estatuto de conservação mundial (IUCN): Quase ameaçado
Lista vermelha de Cabo Verde: Vulnerável
Endemismo de Cabo Verde: Espécie endémica
Ordem: Procellariiformes
Família: Procellariidae
Descrição morfológica e identificação
O petrel Gongon (ou Biôr como é designada em Santo Antão) é uma ave marinha endémica de Cabo Verde, pelo que não se reproduz em mais nenhum outro local do mundo. Pertence à família Procellariidae e ao género Pterodroma, no qual se incluem cerca de 35 espécies altamente pelágicas e em grande parte ameaçadas, com asas longas, bicos relativamente curtos e fortes, com tubos nasais proeminentes e ponta em gancho, distribuídas por oceanos temperados e tropicais (Flood & Fisher 2013). As aves do género Pterodroma são voadores rápidos e ágeis que tipicamente voam em arcos inclinados em condições de vento moderado, passando a maior parte da sua vida em águas oceânicas, e que se aventuram em terra apenas para se reproduzir. Após décadas de discussões taxonómicas, a espécie de Cabo Verde é atualmente considerada endémica do arquipélago, embora muito semelhante à Freira-do-Bugio, P. deserta, e à Freira-da-Madeira, P. madeira (Jesus et al. 2009, Gangloff et al. 2013, BirdLife International 2017).
O seu comprimento total do corpo varia entre 36 a 39 cm, o seu peso médio é de 288 g e apresenta asas longas (envergadura de 89 cm a 94 cm), cabeça grande, pescoço grosso, bico de base curta e grossa com uma ponta em gancho e corpo robusto e compacto com cauda em cunha, uma pequena testa branca, topo da cabeça escura e flancos listrados (Shirihai et al. 2010). No mar, a combinação de padrões de cinza pálido na parte dorsal da asa e negra na parte ventral, com uma contrastante parte inferior do corpo branca, em voo, permitem identificar as três espécies de petréis do NE Atlântico, Gongon, Freira-do-Bugio e Freira-da-Madeira, mas a identificação específica é extremamente difícil mesmo quando observadas de perto (Shirihai et al. 2010). Note-se, no entanto, que já foi registado um indivíduo com plumagem ventral acinzentada aberrante (Gutierrez & González-Solís 2009). O Gongon e a Freira-do-Bugio são maiores e apresentam um bico mais robusto que a Freira-da-Madeira, embora todos eles sejam muito semelhantes (Shirihai et al. 2010). Não há características diagnosticáveis que permitam diferenciar os petréis Gongon e a Freira-do-Bugio no mar, mas, geralmente, os Gongon apresentam uma cauda um pouco mais curta e um bico menor e menos robusto que o da Freira-do-Bugio, embora com muitas parecenças (Shirihai et al. 2010).
Os juvenis e os adultos são morfologicamente semelhantes, bem como machos e fêmeas, mas os machos são ligeiramente maiores (1-5%) do que as fêmeas em algumas medidas biométricas, particularmente no tamanho do bico (Militão et al. 2017).
Gongon em vôo © Jacob González-Solís
Gongon adulto © Sergi Torné
Distribuição
Nidifica nas ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Santiago e Fogo em buracos sob pedras ou fendas em zonas montanhosas e encostas ingremes. Os seus ninhos também poderão ser encontrados entre rochas em zonas cultivadas. O Gongon nidifica em zonas altas, com altitudes a partir de 350 m até 2300 m. Só pousa em terra durante o período reprodutor entre setembro e junho. Durante o resto do ano está continuamente no mar. É uma espécie oceânica, residente nas águas ao largo de Cabo Verde durante todo o ano (Ramos et al. 2016), sobretudo num raio de 500 km, no entanto, durante o período de incubação procuram alimento em áreas oceânicas até 1000 km a norte do arquipélago.
As três espécies de aves do género Pterodroma do NE Atlântico podem ser observadas em torno das águas de Cabo Verde: a Freira-da-madeira entre novembro e março e a Freira-do-Bugio entre dezembro e junho (Ramos et al. 2016), o que dificulta a identificação de Pterodromas no mar durante esses meses.
Mapa de distribuição do Gongon em Cabo Verde
Adulto de Gongon no ninho com ovo
Reprodução e fenologia
Construtores de ninhos subterrâneos, são muito fiéis de ano para ano ao seu ninho e ao parceiro. Existem adultos que visitam as áreas de reprodução durante a noite, geralmente a partir de meados de setembro (Militão et al. 2017). Esta espécie põe apenas um ovo por ano, entre o final de dezembro e até final de janeiro. O ovo não é substituído em caso de perda. Macho e fêmea partilham as tarefas de incubação do ovo, realizando turnos de incubação de 12 a 13 dias, em média. A incubação dura aproximadamente 50 dias. Após a eclosão do ovo, que geralmente ocorre entre o final de fevereiro e o início de março, um dos progenitores mantem-se todo o dia com a cria, mas apenas e no máximo, durante os primeiros 4 dias após a eclosão (Militão et al. 2017). Após esse período, os adultos visitam o ninho apenas de noite para alimentar as crias durante algumas horas (Militão et al. 2017), no entanto podem ocasionalmente passar todo dia no ninho. As crias abandonam o ninho entre meados de maio e meados de junho.
Os imaturos, geralmente entre 2 a 7 anos de idade, os indivíduos viúvos e divorciados visitam as áreas de cortejo durante as noites mais escuras (menos luar), principalmente de novembro a março vocalizando e realizando voos de cortejo por cima do topo das montanhas perto das áreas de nidificação. O recrutamento acontece entre os 4 e os 7 anos de idade, e podem viver por mais de 30 anos.
Cria de Gongon ©Sergi Torné
Adulto de Gongon © Jacob González-Solís
Alimentação
O Gongon procura alimento sobretudo em águas com baixa produtividade oceânica, principalmente durante a noite e particularmente nas noites claras de luar (Ramos et al. 2016). Durante o período de incubação, realizam viagens de alimentação longas geralmente de 12 ou 13 dias, mas por vezes podem chegar aos 15 dias, até 1000 km a norte de Cabo Verde. Durante o período de alimentação das crias, as viagens são geralmente mais curtas (~4 dias) e os reprodutores procuram alimento mais perto das colónias. No entanto, numa única viagem podem percorrer centenas ou, inclusivé, mais de um milhar de quilómetros. Não existem muitos dados sobre a sua dieta, embora se saiba que é sobretudo baseada em pequenos cefalópodes e peixes.
Muda
A muda é o processo no qual as aves perdem as penas velhas para que cresçam as penas novas. Os Gongon fazem uma muda anual completa de todas as penas de voo, sendo que as penas primárias mudam sequencialmente desde a primária mais interna até à mais externa. A muda dos adultos reproductores provavelmente ocorre após a reprodução entre o final de maio e agosto (Howell & Patterson 2007, Flood & Fisher 2013), no entanto é possível observar algum Gongon a mudar as penas em abril, mas provavelmente serão aves imaturas ou que falharam na reprodução (Shirihai et al. 2010).
Vocalização
Esta espécie é silenciosa no mar, mas os imaturos são muito vocais nas áreas de cortejo, produzindo um gemido ululante semelhante ao da Freira-da-Madeira, um pouco menos agudo. O gemido dura cerca de dois segundos e desce abruptamente. Cerca de um terço das aves termina com um guincho crescente (Robb & Mullarney 2008). Pensa-se que as fêmeas emitem um canto mais grave e os machos mais agudo (Robb & Mullarney 2008).
Gongon
Principais ameaças
Análises preliminares de demografia sugerem uma tendência decrescente da população de Gongon no Fogo devido a uma baixa taxa de sobrevivência dos adultos. Dado que as ameaças são parecidas nas restantes ilhas, possivelmente a tendência desta espécie será semelhante nas outras localidades. O declínio do Gongon dever-se-á em grande parte às principais ameaças em terra a que estão sujeitos, sendo que muitas têm origem na sua proximidade com as comunidades rurais instaladas perto das suas áreas de reprodução, e prendem-se sobretudo com a existência de gatos selvagens, mas também com a captura humana que ainda existe. Para além disso, esta espécie também é suscetível à predação por roedores, principalmente pela ratazana, durante o período de incubação e quando as crias são pequenas. Apesar de que ainda não se ter registado nenhum evento de predação por cães, sabe-se que estes podem destruir os ninhos e perturbar os indivíduos. Desconhece-se, ainda, o impacto da introdução do macaco verde que já ocorreu nalgumas ilhas. O aumento da poluição luminosa perto das áreas de reprodução também é motivo de preocupação (Militão et al. 2017). No mar, desconhece-se se existe uma interação com as artes de pesca e quais as ameaças a que estão expostas nas suas áreas de alimentação. O impacto de contaminantes e das alterações climáticas no Gongon é desconhecido.